para ler ao som de O'queStrada - Qualquer coisa me anima
Sopa de Urtigas
por Ana Martins
Era desta que ia cozinhar à revelia. No domingo a sua santa sogra vinha à cidade visitar o seu menino. Naturalmente Sandro convidara-a, pelo que viria a sua casa almoçar, inspeccionar onde e como andava o seu menino a ser tratado. Pouco importava as virtudes de Cláudia, a dona Anabela (perdão… Madame Bell) teria sempre que apontar, mesmo à distância, fosse na terrinha ou no início de viverem juntos, quando a santa ainda trabalhava lá na sua França.
Apetecia-lhe tanto cozinhar para a sogra como respirar vidrilhos em arroubos de veraneio, mas o olhar abrandado do filho, o também seu Sandro, fizeram-na anuir apesar de se corroer tão vitrinamente. Para se aquietar, pensou num ingrediente que sabia comestível e nunca tinha experimentado confeccionar. Contudo, seria o local mais simpático onde gostaria de sentar o traseiro anafado da madame sua sogra no almoço de domingo.
Diziam as eruditas comadres que se cortasse as cebolas debaixo de água de chuva não seria acometida de lágrimas salgadas ou se pedisse autorização à natureza as urtigas não lhe morderiam as costas das mãos mas, mais prudente, Cláudia resolveu-se por um chapéu de palha, luvas de jardinagem e uma antiga cestinha de vime e, qual capuchinho vermelho, seguiu pelo caminho proibido da floresta.
A receita era simples e o truque gastronómico na assadura. Em honra do nome que dona Anabela, a senhora sua sogra adoptara depois de regressada na petulante Madame Bell, tinha apanhado umas flores em forma de campainhas, que colocou suavemente ao empratar o cálido caldo.
Já de crianças ouvíamos que o crime não compensava, nem sequer as pequenas malvadezas infantilizadas como servir uma sopa de urtigas à sogra. A punição que Cláudia nunca comentava, porém mortificava-se, a cada vez que o seu Sandro lhe pedia que fizesse a sopa que adoptara como favorita, era incomensurável.
Receita:
(gostava da candura como lhe fora passada)
água da chuva q.b.
cebola nova
Assa-se a cebola no forno com uma pitada de sal, pimenta rosa e um fio de luar de azeite. Depois de assada, coloca-se numa panelinha ao lume com da água da chuva e deixa-se cozer. Lava-se muito bem as urtigas, tempera-se com umas gotas de lágrimas se houver picadelas e coloca-se dentro da sopa. Passa-se tudo em remoinho como a vida e retempera-se. Sirva cálida.
(receita gentilmente cedida pelo Restaurante Bem Me Quer Vegetariano)
4 comentários:
Bem, este blog está magnífico!
Vou tentar é não passar por aqui se não ainda me babo toda! :-)
Ana Grichetchkine
O desconhecido assusta, mas assim trituradinhas as urtigas, secalhar nem dava por elas...
Bela combinação sogra com urtigas...
Xis
Genti isso não é nenhum tipo de feitiço, não, né!?
HANA MACANTARAVA SUIA (Cassiane cantando em línguas) 3X
Não é feitiço, não. Apenas o proverbial encanto entre noras e sogras que presumo será transversal tanto de um lado como de outro do oceano.
Eu já provei esta sopa (no restaurante que me forneceu a receita) e posso assegurar que é deliciosa. Urtiga sabe entre agrião e espinafre.
É verdade Mina, temos medo de desconhecido, mas eu sou curiosa e gosto de experimentar novos sabores e contar estórias inusitadas.
Agrada-me muito a ideia de pegar numa receita de culinária e transformá-la num pequeno conto.
Um abraço,
Ana Martins
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