terça-feira, 8 de junho de 2010

Biscoitos de Alfazema, sabor de primavera

Recebi do outro lado do Atlântico, onde é primavera, um cheirinho não de alecrim como a canção do Chico, mas um olor de alfazema, dalgum canto de jardim.
Convidei minha amiga Ana Martins, para que me enviasse um conto com de primavera, e não satisfeita, a receita também cheira à estação das flores.


para ouvir ao som de Amelie - Soir De Fete

Bolachinhas de Alfazema

Escrevia quando a fresca da tarde lhe traz os odores da zona das aromáticas. Levanta a cabeça do teclado, inspira com tranquilidade deixando os ombros cair, mas já se distraiu do texto ao se deixar inebriar. Erva-príncipe? A menta. Predomina. Aquela personagem não está a fazer sentido. Prime a tecla ‘guardar’ e fecha o portátil. Apanha quatro folhas escuras

de menta e escolhe três de hortelã. Gosta de as misturar. Volta atrás e escolhe outra folha de hortelã bem pequena que limpa rapidamente entre indicador e polegar e coloca-a na língua. Gosta de mastigar ao preparar o seu chá de sete folhas. Enquanto repousa e o sabor abre, volta ao jardim e apanha uns pezinhos de alfazema e apanha dois bons limões. A sua neta chega e gosta de ter as bolachinhas para mordiscar. Não usa receita nem medida, apenas uma boa mão. A neta costuma fazer lá no restaurante dela, e apesar de se venderem mais pacotinhos que pãezinhos quentes, reclama de não serem as bolachinhas da Avó Flora, que as faz a olho e saem sempre perfeitas.
Derrete a manteiga de soja e liga o rádio da cozinha. Sorri. Está a passar a música de um filme. Gosta desse filme, a actriz faz-lhe lembrar a inquietude da sua neta. Procura o ralador. A raspa dos limões do quintal tira-a do sério. Demora sempre a fazê-lo para se deixar embalar na frescura do óleo aromático, a que fica espalhada pela cozinha. Agora faz sempre com frutose, a médica não a incomoda. Mete a mão na lata e tira um punhado de farinha, depois outro. Só até engrossar. Gosta de amassar à mão, é repousante, lava a alma - dizem - e ajuda a fermentar. Doem-lhe as pontas dos dedos de tanto teclar. Volta a pensar na sua personagem. Aquele conto está a sair-lhe difícil, poderia dar à senhora uma infância boa na Provença rodeada de campos anil de alfazema. Pôr os pais dela a emigrar. Sim, poderia funcionar como o seu escape, em adulta já regressada a Portugal e entregue à brutalidade do marido. Seria uma forma de conseguir dar sentido à sua personagem. Três flores de alfazema. Quatro, quanto muito. A regra era nunca usar muitas. No forno intensificava-se o sabor e as bolachinhas ficariam intragáveis. Alfazema. Isso mesmo! Assim que coloca o tabuleiro do forno volta a ligar o portátil.

Receita:

6 colheres de sopa de manteiga de soja
1 colher de sopa bem cheia de frutose
raspa de 2 limões
100 grs. de farinha
1 colher de sopa de flor de alfazema


2 comentários:

Ana Martins disse...

Obrigada eu por tão gentil convite, querida homónima!
Um abraço do outro lado do Atlântico,
Ana Martins

Ana Paula Motta disse...

Beijinhos de flor. Eu é que agradeço.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...