Hoje não escrevo um conto, mas outra memória doce de minha infância. Não fui capaz de criar personagens em torno da receita de soufflé de peixe, simplesmente porque há pratos que estão presos nas melhores recordações da minha infância a pessoas que me foram - são - muito queridas e já não estão comigo.
para ler ao som de (versão linda)
Bethânia, Caetano e Dona Canô cantam Oração da Mãe Menininha
por Ana Martins
Na época de minha mãe era uma receita inovadora e chique. Depois da revolução de Abril, as donas de casa em Portugal saiam um pouco fora dos cozinhados habituais de suas mães, tias e avós e inovavam com receitas importadas. Muito moderno! Um mundo novo esperava-nos e a minha mãe, que só cozinhava ao fim-de-semana, gostava de inovar!
Um prato que abraçou foi o soufflé. De origem na culinária francesa (que significa inchado ou soprado) e que amiúde nos reunia, à minha irmã e a mim como suas ajudantes. Era um momento sempre bom, o de cozinharmos juntas, de ficar na memória a guerra prazeirosa e eterna de quem rapava a taça de massa de bolo cru. Ainda hoje quando cozinho prefiro esse momento e o de encetar um bolo quente saído do forno que o de festa propriamente assim considerado. Nota mental para perguntar a minha irmã se também pensa assim. Quem sabe, se nossa mãe não tivesse morrido tão nova, as minhas memórias poderiam ter crescido.
Tenho os dias de soufflé em boa conta, eram refeições de festa! Apesar de fazer de variados sabores, o de peixe era o meu preferido. Talvez por ser a única forma de conseguir comer peixe a saber a bolo. Já mãe, consegui que o meu filho pedisse com vontade bolo (de peixe) à refeição, porque é esse o segredo do soufflé: o aspecto fofo e volumoso que dá água na boca. Consiste apenas na forma adequada de bater os ovos – as gemas bem batidas adicionadas uma a uma e no final quando se acrescenta as claras em castelo bem firme. Um bom truque é acrescentar uma pitada de sal fino às claras que ajuda a ficarem no ponto.
Complicado? Não, basta saber fazer um bom molho Bechamel (manteiga, farinha e leite) adicionar o peixe cozido bem desfiado e os ovos, como disse, gemas uma a uma e as claras em castelo. 20 minutos de forno a 200 graus numa forma redonda e alta bem untada e enfarinhada. Servir logo de seguida com salada verde. Ter cuidado com possíveis correntes de ar. O soufflé irá baixar naturalmente (por isso a imposição de o servir logo), mas se apanhar ar, murcha de forma tristonha.
Ingredientes:
200 grs de peixe branco cozido e desfiado
50 grs de manteiga
50 grs de farinha
1 chávena de leite
4 ovos
Sal, pimenta, noz moscada e sumo de limão q.b.
7 comentários:
Obrigado Ana. Não apenas pela receita mas principalmente pelo inundar de memórias que me trouxeste.
Quase que senti o cheiro do forno velho, que deixava sair mais calor do que concentrava lá dentro, mas que conferia um sabor inigualável. Quase que senti o sabor da massa com raspas de laranja que se colavam aos dedos como uma qualquer coisa viscosa.
E o olhar da dona São, que odiava que eu tocasse nas "coisas da cozinha" porque afinal um homem não foi feito para deambular por entre tachos e panelas.
Muito obrigado Ana pela viagem.
Quanta doçura e saudade contidas no texto,Ana. Na década de 70 o soufflé era tido como chic e fazê-lo sem murchar era (e é) uma arte. Linda história, uma viagem no tempo e arrematada com uma boa receita.Beijos
Bela receita e económica!... (Quer dizer depende do peixe)
Envolta em boas recordações, eu só fiz soufflé uma vez na vida.
E não deve ter sido uma boa experiência, por isso não repeti!...
Mas com este teu embalar estou tentada a experimentar, novamente :)))
bjocas
Mana,
Para não variar não me lembro de estar na cozinha a ajudar em nada, sempre odiei o souffle de peixe, mas como é logico fiz uma vez ja estava junta com o Pinto e ai já gostei, mas nunca mais o fiz.
Agora de rapar a taça do bolo.....essa sim me lembro....e sempre gostei.
Actualmente como não faço bolos nem lambo a taça, nem como o bolo..........pouca sorte a minha, mas quem tem culpa de ser preguicosa para fazer bolos.
quando tiveres, manda mais, gosto sempre de ler como sabes.
bjs a todos
Paula Martins
Queridos amigos,
Muito obrigada por todos os vossos comentários. Todos nós temos memórias de infância e é sempre prazeiroso despoletá-las!
Achei um amor o comentário de minha irmã... é já habitual termos recordações diferenciadas, como duas versões do mesmo filme, já que vivemos a mesma infância, apenas com a necessária leitura diferente. Acaba por ser curioso.
(Ahhh e a nossos caros leitores brasileiros: 'PINTO' em Portugal é sobrenome rsrsrs, e é o nome do meu cunhado e sim é sempre divertido quando eles vão de férias ao Brasil...)
Um abraço a todos
Ana, não se preocupe, esse por acaso é um dos meus nomes, além de Motta sou também Oliveira Pinto
Se a receita já é tremendamente apelativa, com um som lindo e doce como este, a vontade multiplica-se, um beijo e obrigado Ana.
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